Wednesday, March 26, 2008

Rubro como a esperança


La última mirada – Direção e roteiro: Patrícia Arriaga Jordan. Fotografia: Hector Ortega. México, 2006. Duração: 124 min.
O vento balança as cortinas estendidas sobre a cama e as manchas vermelhas sobre o lençol persuadem o espectador para o que sucedeu ali, naquele quarto de bordel. As imagens iniciais de La última mirada, de Patrícia Jordan, aguçam os sentidos pela bela construção do quadro, importante no desenvolvimento da narrativa. Permeando todo filme, essa cena estrutura a trama através de flashbacks e montagem paralela ao acompanhar a vida de seus dois personagens principais até o momento que eles se encontram.
Homero (Sergi Mateo) descobre que está ficando cego, podendo ver somente três cores, por poucos meses, até a perda da visão total: o verde, depois o azul e por fim, o visceral vermelho. Como a luz que se decompõe em espectros de cores, o artista plástico se depara com a perda do sentido visual para sua vida. Mei, personagem de Marisol Centeno, vive com seus avós, tendo que trabalhar na limpeza de um bordel após sua mãe ter partido para os EUA. Diante da dura realidade da sua condição social, a garota de 15 anos enfrenta o precoce início da vida adulta, ainda com seus jovens sonhos. Ambientado numa sociedade machista, mercantil e violenta do deserto mexicano, os dois personagens parecem ser um dos poucos oásis de humanidade que resistem ao endurecimento imposto pela sobrevivência. A adolescente Mei convive com o assédio dos homens e o medo de que a necessidade obrigue-a a seguir a mesma profissão da mãe, a prostituição. Por outro lado, temos o pintor que enfrenta o desafio da cegueira e o imperativo de reaprender a viver sem um dos sentidos. As duas vidas distantes e paralelas se entrelaçam pelo universo sensível representado pelas poesias do “Galeão Chinês”, livro do pai de Homero, e pela mariposa bordada de Mei que, como doações recíprocas, se cruzam, chegando às mãos dos personagens através do taxista, freqüentador do Bordel.
Patrícia Jordan, numa linha tênue entre o melodrama e a poesia, nas esferas do amor de salvamento, promove o encontro do homem de classe média com a adolescente pobre de maneira interessante. O quarto do bordel é onde a situação se resolve. Homero paga uma “chinesinha” pra ter a sua última visão e Mei por pressões econômicas da avó é forçada a servi-lo. O momento em que ele molha as mãos na tinta vermelha e cobre todo o corpo da atriz Marisol Centeno é surpreendente pela atuação dos atores, da maneira em que a seqüência se define e, principalmente, pela fotografia, maravilhosamente bem dirigida durante todo o filme.
O longa-metragem de Patrícia Arriaga Jordan está entre aqueles filmes que a imagem importa tanto quanto a estrutura narrativa. Juntamente com a direção de arte, o fotógrafo Hector Ortega consegue planos coerentes e bem compostos, apreendendo o público na representação visual fílmica. Certamente, La última mirada é a pérola da mostra competitiva de ficção do Cinesul de 2007, na sua 14ª edição. O maravilhoso relato da cegueira ou tendo a ternura como saída, o filme conduz o espectador em tons de vermelho até que seja somente branco.

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