Wednesday, March 26, 2008

Walter Carvalho e sua poesia imagética

I. Walter Carvalho, Terra Estrangeira (1995).

Vejo o navio ao fundo e, em primeiro plano, a entrega. O abraço de quem ama salta aos olhos, comove. A fotografia de Terra Estrangeira (Daniela Thomas e Walter Salles, 1995) não diz isso, mas faz-se sentir. O lirismo captado pela objetiva de Walter Carvalho declama poesia. Não precisa de palavras. A imagem explode em seu total sentido. O studium, conceito usado por Roland Barthes em A Câmera Clara, é deflagrado no enquadramento do casal. Disposto à esquerda, fugindo do viés comum e fácil da centralidade, abre espaço para comunicação com o ambiente em que estão. A cena do casal é espetacular, mas os olhos do espectador estão no infinito do horizonte possibilitado pela presença do navio no lado direito do quadro. Este é o punctum, outro conceito de Barthes. A imensidão do mar e o velho navio (abandonado? Restos de algum naufrágio de outrora?) se desfazendo com o sal, água e ar. Nem o aço resiste ao tempo. A disposição no canto superior direito permite expandir o espaço para dentro do quadro. A profundidade de campo amplia a vastidão de uma terra de ninguém. A natureza está ali, adjetivando o universo amplo, vasto e solitário. O que move na fotografia vai além da beleza da composição P & B e seus contrastes entre o branco e preto total - nuances do cinza. De olhos fechados, em foco, vemos Alex (Fernanda Torres) agarrada a alguma esperança. O vento balança seu cabelo. Fios de vida. Paco (Fernando Alves Pinto) a mantém junto ao seu corpo, abraçando-a pela cintura. Doação. Súbita paz do encontro. Transcendência. Todo sentimento se faz ao espectador no convite para adentrar a fotografia, a pintura, a poesia. Contemplação da inexistência do corpo completamente perdido no sabor do tempo, tempo de alguma coisa.


II. Walter Carvalho, Lavoura Arcaica (2001).


Para que razão quando a vida se faz por um instante de súbita alegria? No ritmo frenético das células em atividade – pois é vida – observamos sem foco a moça que dança e ninguém vê. O studium é identificado pelo enquadramento dela, da cintura para cima, à esquerda do quadro e a multidão à direita. Em perspectiva, vemos várias garotas enfileiradas como se fossem formar um círculo, dando profundidade ao campo. Elas olham o centro da possível roda. Porém o olhar do espectador está no primeiro plano, na imagem desfocada da personagem de Simone Spoladore. Mesmo que sem foco, é nela que encontramos beleza. Não há necessidade de nitidez para sentimentos que extravasam a alma. Longe de ofuscar, acentua os movimentos, provoca o lirismo. Em cores pastéis os personagens, no fundo preto, saltam aos olhos. A rosa vermelha no cabelo dela é o detalhe que punge. O punctum. O contraste da fotografia é maior que simples divisão entre o lado direito e esquerdo. É de sentimentos: o inebriante pulso de contentamento da moça e a multidão, alheia a qualquer descoberta, assiste e não vê. Parafraseando Barthes, “a vida é, assim, feita a golpes de pequenas solidões”.
Referências:
BARTHES, Roland. A câmera clara. Ed. Nova Fronteira. RJ, 1984.

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